reality vs non-sense?! stuff?! just feelings though!

quinta-feira, junho 02, 2005

Inocência entre linhas

Ola. Eu sou a Flor. Tenho sete anos.
Deram-me este nome nao sei porque. Alguns meninos brincam comigo e dizem que eu deveria viver num jardim. Eu gosto do meu nome, mas sei que nao e' muito comum.
Agora estou na praia com o meu irmao e os meus pais.
Gosto de brincar com os baldes e as forminhas. Costumo juntar um monte de areia molhada com outro monte de areia seca e misturo muito bem; depois vou juntando uns bocadinhos de agua do mar ate ficar como eu quero; por fim finjo que a areia misturada e' uma massa e assim vou criando bolinhos com a ajuda das forminhas.

A mae veio vestir-me uma t-shirt e enfiar-me um chapeu na cabeca, porque diz que o sol da tarde e' perigoso.
Mas porque sera perigoso? E o da manha? E o da hora do almoco? Esse sol todo deveria ser perigoso, mas talvez seja mesmo so o da tarde.
Tenho sorte porque nao me pos creme - coisa que eu odeio porque faz-me impressao quando esta a ser espalhado.
O meu irmao veio-me atirar areia. Eu grito: "STOOOOPPP ALISTAIR!" - ele viveu muitos anos com os meus tios no Pais de Gales, ate naceu la, por isso eu costumo falar com ele em ingles - e ele continua, mas o pai veio chama-lo a atencao.
Tem nove anos, mas a mae esta sempre a dizer que eu tenho muito mais nocao das coisas e que sou mais bem comportada que ele. Por fim ela termina sempre esse seu discurso dizendo uma frase do genero: "Mas tambem... ele e' rapaz. Os rapazes sao mais activos, mais infantis e talvez tenham maior necessidade de destabilizar". Eu rio-me sempre, com aquele risinho so meu.
Ja sei escrever desde os quatro em ingles e portugues. Conheco bem as letras.
Tambem falo as duas linguas e os avos ainda me ensinaram um bocadinho de galês.
Gosto muito de pintar, de brincar com plasticinas e de descobrir coisas novas nos livros dificeis. A tia trouxe-me ha uns dias de Londres um livro desses muito dificeis em que eu tenho de descobrir objectos nas ilustracoes. Leio-o todas as noites com a mae.
O meu irmao prefere jogar a bola com os amigos do colegio durante o dia e as vezes vê um bocadinho de televisao, mas ele so gosta de desenhos animados muito violentos e japoneses. Eu odeio.
Prefiro ficar a brincar em casa com a Maria, a minha vizinha.

Fazemos muitos jogos de domino, pintamos, inventamos desenhos novos, saltamos a corda e vemos televisao... os nossos desenhos animados preferidos sao os d' A Vaca Carlota.
Eu tambem toco piano e ando no ballet. Ja consigo fazer o arabesque. A professora diz que eu tenho pernas para o ballet porque sao magras e compridas, o que me deixa muito contente.
A mae foi agora comprar-nos um gelado.
Eu estou aborrecida porque queria comer conchinhas do mar no restaurante! Nao me deixam. Dizem que estamos quase a ir embora porque o pai quer ir ver um jogo de futebol importante na televisao.
Com essa justificacao ainda fico mais aborrecida e choramingo.
Como me respondem num tom muito serio e de ligeira repreensao, ainda consigo ficar mais zangada.
O Alistair so se ri e eu atiro-lhe areia. Ele puxa-me o cabelo e belisca-me. Choro um pouco porque doi.
O pai baixa o jornal e diz para pararmos. Nos nao paramos e o pai levanta-se zangado.
Eu amuo mesmo e enrolo-me na toalha!
A mae chega com os gelados. Comi o meu ainda enrolada na toalha a olhar para o mar, mexendo ao mesmo tempo na areia com a mao direita.
Decidiram que temos de ir embora e eu refilo um bocadinho na esperanca de poder ficar mais tempo na praia. Queria tanto ir nadar mais uma vez!
Os pais negam essa possibilidade e eu fico mesmo zangada.
Mandam-me sacudir e arrumar a minha toalha na minha mochila, mas nao o consigo fazer muito bem. Alem de nao saber drobar bem a toalha, tambem nao a sei sacudir ao ponto de saltarem todos os graozinhos de areia para fora.
A mae irrita-se e diz que eu tenho sete anos, que sou uma menina que esta a crescer e que ela nao pode fazer sempre tudo, por isso tambem tenho de comecar a preocupar-me com as minhas proprias coisas.
Nao gosto nada disso. Eu sou uma crianca. Nao posso fazer tudo bem. Alias, nem sempre quero fazer tudo bem.
Muitas vezes imagino-me a agir como o meu irmao age diariamente... ele transmite-me muito mais liberdade, accao e discontraccao.
Eu sou mais organizada, mais calma e timida. Queria tanto poder desobedecer mais vezes e fugir, correr, nao fazer as coisas bem e ainda ter coragem para gritar ou refilar com os meus pais de vez em quando, sem ter medo de um castigo.
Porem, continuo a ser a Flor de sempre, uma menina normal, com um nome diferente e que se porta geralmente muito bem. Sou uma verdadeira menina!
La fomos para casa. Quando chegamos foram todos ver o futebol, incluindo os meus tios que apareceram e trouxeram umas cervejas. Bah! Nao sei como podem gostar daquele sabor. Um vez provei um bocadinho do copo do pai e soube tao mal! O pai riu-se porque foi so um bocadinho.

Com este "assalto" à televisao nem puder ver os meus desenhos animados.
Nao me importei, fui para o computador fazer desenhs no paint e escrever numa pagina em branco.
Escrever um texto como as escritoras e poetisas de hoje fizeram quando eram criancas. Elas comecaram muito cedo que eu sei bem.
Fui escrever o meu primeiro texto. Deve ter muitos erros, e nao deve ficar tao bonito ou com as palavras de "adulto" que eu gostaria que tivesse, mas nao faz mal.
Afinal eu ainda so tenho sete anos e sou uma menina portuguesa.