reality vs non-sense?! stuff?! just feelings though!

sexta-feira, maio 26, 2006

De 1955 até aos dias de hoje...

O exerto que se segue, foi retirado do livro "Tristes Trópicos" de Claude Lévi-Strauss (versão portuguesa pelas Edições 70).



« Odeio as viagens e os exploradores. E aqui estou eu disposto a relatar as minhas expedições.
(...)
Foi portanto em Porto Rico que tomei contacto pela primeira vez com os Estados Unidos; (...)
Foi também nessa altura que me apercebi pela primeira vez, na perspectiva das Grandes Antilhas, desses três aspectos típcos da cidade americana: sempre igual, pela ligeireza da construção, a preocupação dos efeitos e a solicitação do frasteiro, a uma qualquer exposição universal tornada permanente - apenas com a diferença de que aqui julgávamos encontrar-nos na secção espanhola.
Os acasos das viagens oferecem por vezes ambiguidades desse tipo. O facto de ter passado em Porto Rico as minhas primeiras semanas de Estados Unidos fará com que, daí por diante, eu encontre a América em Espanha. Assim como o facto de ter visitado, muitos anos mais tarde, a primeira universidade inglesa no campus de edifícios góticos de Dacca, no Bengala Oriental, leva-me agora a considerar Oxford como uma Índia que tivesse conseguido controlar a lama, o mofo e os excessos da vegetção. (...)
Hoje em dia, quando ilhas polinésicas inundadas de concreto estão transformadas em porta-aviões pesadamente ancorados no extremo dos mares do sul, quando a Ásia inteira toma as refeições de uma zona doentia, quando as favelas corroem a África, quando a aviação comercial e militar mancha a candura da floresta americana ou melanésica antes de lhe roubar a virgindade, como conseguiria a pretensa evasão da viagem algo mais do que confrontar-nos com as formas mais infelizes da nossa existência histórica?
Esta grande civilização ocidental, criadora das maravilhas de que desfrutamos, não conseguiu produzi-las sem reverso. À semelhança da sua obra mais famosa, a pilha em que se elaboram arquitecturas de uma complexidade desconhecida, a ordem e a harmonia do Ocidente exigem a eliminação de uma massa prodigiosa de subprodutos maléficos que hoje em dia empestam a terra.
O que as viagens actualmente nos mostram em primeiro lugar são os nossos excrementos lançados à face da humanidade.
É então que compreendo a paixão, a loucura, o logro das narrativas de viagens. Oferecem a ilusão daquilo que já nao existe e devia ainda existir, a fim de escaparmos à deprimente evidência de terem passado 20 000 anos de história.
Não há mais nada a fazer: a civilização já não é essa flor frágil que se preservava, se desenvolvia com grande custo em alguns recantos abrigados de um terreno rico em espécies rústicas, ameaçadoras sem dúvida pela sua vitalidade, mas que graças a ela permitiam variar e revigorar as sementes. A humanidade está a adoptar a monocultura; prepara-se para produzir a civilização em massa, como beterraba. A sua ementa habitual passará a ser constituída por esse prato único. »



[ http://pt.wikipedia.org/wiki/Tristes_Tropiques ]